Naquele tempo, o Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre animais selvagens, e os anjos o serviam. (Mc 1,12-13)
O deserto representa a vida como ela é. A vida não é um mar de rosas. Ela é uma aventura que começa com a concepção e termina com nossa morte. Quando somos expulsos do ventre de nossa mãe inicia-se o processo de solidão que nos acompanhará até nossa morte. Ser pessoa, ser indivíduo implica em ser só. A solidão é a nossa principal realidade e quando mais rápido a aceitarmos, mais fortes serão as nossas relações com os outros. Sim, isso é paradoxal: reconhecer a realidade de nossa solidão faz com que tenhamos um melhor relacionamento com as pessoas.
Tenho uma amiga que está há vários anos acamada. Depende dos outros para tudo. Não consegue se comunicar. Rodeada de pessoas que a amam, ela está só, como que presa dentro de seu corpo. Com meu velho pai também foi assim: passou cinco anos acamado e sua mente foi se apagando pelo Mal de Alzheimer. Estava rodeado por nós que o amamos, mas estava só. Morreu só. Todos morremos só, pois a morte é uma experiência pessoal, assim como o viver também o é. Eis o nosso deserto.
Uma das grandes neuroses humanas é o medo da solidão. A experiência da solidão é extremamente dolorosa para muita gente. Muitos, diante da solidão, enfrentam insuportável angústia que chegam a dar cabo da própria vida. Do outro lado, existem pessoas que amam a solidão e aprenderam a vivê-la com serenidade, pois descobriram que esta é a verdadeira condição humana. É na solidão onde muitas vezes se dá nosso encontro com o Absoluto.
Muitas pessoas me perguntam, pelo fato de eu ser padre, se não me sinto só. Minha resposta: sim, me sinto só. Mas também respondo: eu gosto da solidão, sou feliz sozinho. Deus me fala no deserto da solidão. A solidão me cai bem e não tenho medo dela. Ao tomar consciência de minha solidão, aproveito melhor minhas amizades e consigo fazer melhor meu trabalho, dentro de minhas muitas limitações. Sei de minha solidão e sei da solidão de minhas irmãs e irmãos. Assim, experimento que a amizade verdadeira nasce da solidão, pois quem convive comigo convive na gratuidade da amizade de quem ama.
Sobre o futuro: o envelhecimento é um grande ensaio de solidão. Amigos e amigas vão morrendo e quem fica se vê sozinho e já não consegue se comunicar com as gerações mais jovens. Estas não escutam os mais velhos que “voltam a ser crianças”. Isso é deserto. Envelhecer bem implica na aceitação da solidão que é a escola do diálogo com Deus. As grandes orações são nascidas nos momentos de solidão. Por isso quem mais reza nas Igrejas são as idosas e idosos, arautos que conclamam a Deus com suas preces de amor.
Uma confissão: gosto de ficar sozinho e sinto que Deus me chama à solidão. Sonho em morar sozinho numa casinha muito pequena onde poderei rezar e passar meus últimos dias em oração preparando-me para sair do deserto da solidão para entrar no Jardim de Cristo, o Éden do Pai Eterno.
Oração: Senhor Jesus Cristo, Mestre de mim, fazei que eu contemple vossa solidão no deserto, no Getsêmani e na cruz, e perceba que a minha solidão no deserto da vida é ocasião privilegiada para estar convosco e experimentar vosso amor. Assim seja. Amém.
Padre Demetrius Silva
O deserto é lugar de reencontro c Deus e comigo.
ResponderExcluirPodemos nos encontrar rodeados de pessoas, mas, meu coração pode contemplar o deserto...