Pular para o conteúdo principal

Devaneios de um padre chocado com a realidade

Então não seremos mais como crianças, arrastados pelas ondas e empurrados por qualquer vento de ensinamentos de pessoas falsas. Essas pessoas inventam mentiras e, por meio delas, levam outros para caminhos errados. (Ef 4,14)


Estou aborrecido com o mundo. Pesquisa do IPEA revela que 65% dos homens brasileiros acham que mulheres com roupas curtas devem ser atacadas (estupradas). Que vergonha. Que mundo é esse que estamos forjando para nossas crianças? Diante disso, minha mente me levou para reflexões sobre nosso mundo atual...

1. Época de caos social

a) “Capetalismo”: vivemos no mundo capitalista. O capetalismo assume a posição de único sistema econômico. Ele coloca o lucro acima de tudo. As relações humanas são determinadas pelos interesses econômicos. Tudo passa a ser produto comercial: educação, moradia, saúde, transporte, alimentação, e segurança... Tudo é mercadoria, inclusive a vida humana.

b) Crise de valores: num mundo dominado pelo interesse econômico, os bons valores são descartáveis. Gentileza, fraternidade, família, amizade, respeito, altruísmo, etc., são valores descartados em nosso tempo. Prega-se que os interesses individuais estão acima dos bons valores. O relativismo e o pluralismo tornam-se instrumentos de dominação nas mãos dos “grandes”. As instituições sociais: partidos, sindicatos, imprensa, os poderes executivo, legislativo e judiciário entram numa profunda crise ética. A Igreja torna-se vítima numa campanha organizada pelo poder. A Tecnologia assume a missão de gerar bem estar e equilíbrio emocional. No entanto a tecnologia não supriu os ideais humanos, e nunca será acessível a todos. Grupos ricos e politicamente fortes oprimem os movimentos sociais. A resposta a essa somatória de fatores é o Caos Social. A forma mais aparente desse caos é a violência (principalmente contra a mulher), o tráfico de drogas e falta de segurança. No entanto é preciso identificar as formas não-aparentes presentes em nossa cultura.

c) O individualismo, travestido de liberdade individual, torna-se o maior obstáculo para o Evangelho. O Caos Social só pode ser combatido pela experiência do ser comunidade. Somente com o fortalecimento dos vínculos de fraternidade e do respeito, no trabalho em equipe é que podemos enfrentar o Caos Social produzido pelo espírito capitalista. O Evangelho forma comunidade. A missão da Igreja é ser comunidade... Como anda nosso espírito de comunidade? Estamos gerando vínculos de união fraterna em Cristo?

2. Homem desprovido de conteúdo

Este modelo social e econômico o produz um novo homem e uma nova mulher. Não o Novo homem sonhado por São Paulo, mas o novo homem efêmero sem consistência, o homem light.

Este novo homem é imbuído de uma nova espiritualidade: uma espiritualidade light. Uma espiritualidade medíocre, passageira, sem alicerces.

Este tipo de homem novo exige uma resposta de nossa parte. A economia deve dar uma resposta ao capitalismo neoliberal. A história deve dar uma resposta ao revisionismo (releitura da história que nega as fatalidades ocorridas – Ex: grupos dizem que não houve tortura na ditadura militar no Brasil). Cada ciência, cada conhecimento deve dar uma resposta urgente ao novo homem. Mas, e a igreja? A Igreja deve contribuir apresentando ao mundo o Evangelho. Esta é com toda certeza a missão da Igreja. A Igreja deve apresentar o antigo sempre novo: Jesus Cristo. É ele o Novo homem liberto, coerente, repleto de amor, fiel ao Pai.

É preciso ter esta clareza: a igreja só tem para oferecer ao mundo o Evangelho. Nada mais a igreja tem a oferecer. É neste sentido que nós temos de acreditar que o Evangelho e a sua vivência são a única forma da transformação do mundo, na proposta do Reino de Deus. Deste modo, a missão da Igreja é espiritual. Não espiritual no sentido de só cuidar das coisas do espírito, mas no sentido de oferecer ao mundo uma nova espiritualidade, o novo modelo de humano: Jesus Cristo, aquele que todo o humano pode ser semelhante.

E os padres? E a vida religiosa? E as novas gerações? Com certeza a Igreja conta imensamente com a contribuição dos presbíteros, ordens, congregações e institutos religiosos para apresentarem mundo, com seu estilo de vida, o Evangelho. Os santos, os fundadores e fundadoras, foram em sua época sinais do novo homem, Jesus Cristo. Cabe às novas gerações oferecerem ao mundo o estilo de vida de Jesus. Suas convicções, seus valores, seus sentimentos e emoções, e sua firmeza e sua doçura, sua capacidade de obedecer ao Pai e seu projeto de amor.

As novas gerações devem saborear a Palavra de Jesus. Seus ensinamentos são fonte de vida e devem ser vividos pelos novos discípulos e discípulas de nosso tempo. Não há milagres a não ser o único milagre de acreditar que o Mestre assassinado há 2000 anos atrás continua vivo e presente no meio de nós. O milagre é crer que o Mestre vivo continua nos ensinando por sua palavra antiga e sempre nova. É acreditar que vale a pena viver o estilo de vida desse mestre sempre presente. É acreditar, não numa ideologia, não em idéias, não apenas na causa desse Mestre, mas sim em uma pessoa viva, presente que se comunica conosco, interage conosco , nos dá força, mas também exige nós compromisso de estar com Ele todos os dias, em todos momentos e em cada situação .


Para se enfrentar a nova espiritualidade do homem light – sempre caduca, as novas gerações devem abraçar a espiritualidade antiga do homem novo – sempre nova, que faz novas todas as coisas. A vida de oração, isto é, o diálogo constante com o Mestre de Nazaré é fundamental para alimentar nossa fome da verdade, nossa sede de Deus. 

Oração: Senhor Jesus Cristo, Mestre de mim, eu não quero ser pessoa desprovida de conteúdo e de coração. Necessito de vossa Palavra e de vosso Amor. Enviai vosso Espírito Santo e fazei de mim uma criatura nova disposta a semear vosso Evangelho em nosso mundo caótico. Assim Seja.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GENTE CHATA NA IGREJA (PARTE I)

Todos nós conhecemos e convivemos com gente chata. Sempre há um chato cruzando nosso caminho. Em restaurantes, fala-se na existência dos gastrochatos, isto é, gente que sempre tem uma reclamação sobre a comida servida e faz milhões de exigências.  Certa vez, uma agente de pastoral disse-me que eu estava chato. Lembro-me que, naquele dia, eu reclamava de tudo e de todos e isso não me ajudou a evangelizar. Da mesma forma que eu "estava chato", há muitas pessoas que também estão chatas na Igreja. Até aí, tudo bem! Mas existem pessoas que não apenas estão chatas, mas se tornaram chatas e, hoje, são chatas. O QUE SÃO PESSOAS CHATAS? Pessoas chatas são aquelas que tendem a ser irritantes, aborrecidas ou incômodas em interações sociais. Elas podem se destacar por várias razões e assumem características de fácil identificação. Eis as principais: a) Negatividade: Pessoas chatas muitas vezes se concentram no lado negativo das situações e podem arrastar os outros para baixo com

O alicerce é Cristo

Ninguém pode colocar um alicerce diferente daquele que já foi posto: Jesus Cristo. (1Cor 3,11) Quando construimos uma casa começamos pelo alicerce. Toda segurança da construção depende de como foi fundamentado o alicerce. Jesus Mestre nos diz: “Portanto, quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como o homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha… Por outro lado, quem ouve essas minhas palavras e não as põe em prática, é como o homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia.” (Mt 7,24.26) Na vida humana, o alicerce são os valores e princípios que norteiam a mente e o coração da pessoa. São estes que formam o nosso caráter e condicionam a forma com que enxergamos a realidade.  Quando construimos uma casa sobre um alicerce fraco com o passar dos anos aparecerão trincas e rachaduras nas paredes e a casa poderá ruir. Assim também, o ser humano alicerçado em princípios e valores fracos e efêmeros, com o tempo terá trincas e rachaduras em sua vida qu

GENTE CHATA NA IGREJA (PARTE III)

          Para nós, na fé cristã, temos por único modelo o Cristo Mestre. É Jesus que nos inspira, "pois, sem Ele não podemos fazer nada" (Jo 15,5). Jesus conviveu com muita gente chata (fariseus, saduceus, mestre da lei, sacerdotes, anciãos do povo, herodianos, autoridades romanas, etc.) e sempre manteve o respeito, apesar das divergências. Olhando o exemplo de Jesus, podemos perceber algumas atitudes que ajudam a lidar com pessoas chatas, isto é, os outros ou nós mesmos. Qual a origem da chatice? É fundamental entender a origem da chatice. Comportamentos irritantes frequentemente têm raízes em diversas causas, como estresse, insegurança, perspectivas divergentes ou falta de autoconhecimento. Ao tentar compreender a pessoa e o que a motiva, devemos abordar a situação com maior compaixão e paciência. Empatia: Jesus é o Mestre da empatia. Tente entender por que a pessoa está agindo de maneira chata. Às vezes, as pessoas podem estar passando por dificuldades pessoais ou